terça-feira, 1 de junho de 2010

VIAGENS MARÉS E MEMÓRIAS - MÚSICA DE VIAGEM - POEMAS DE AMOR E MELODIA










Cristino Cortes nasce em Fiães, uma pequena aldeia perto de Trancoso. Reside em Lisboa desde 1971. É licenciado em Economia e a maior parte da sua actividade profissional tem decorrido no âmbito do Ministério da Cultura.

Para além da poesia, tem escrito contos, crónicas, e artigos de opinião em vários jornais e revistas. Participou em antologias, uma delas bilingue, em português e francês, e foi responsável pela organização de duas colectâneas, a última das quais sobre Pablo Neruda. Tem poemas traduzidos em diversas línguas, nomeadamente em Espanhol, Francês ou Alemão. Estamos, portanto, perante um escritor com um vastíssimo percurso.
Em 2007 edita pela Papiro Editora o seu livro Viagens… Marés e Memórias. Dando azo ao seu gosto por uma certa errância homérica, como o próprio afirma na apresentação desse volume, Cristino Cortes relata-nos — através de crónicas que não se esgotam na mera observação, mas que se completam e nos completam em deambulações intelectualmente ricas, plenas de cultura e história — as suas viagens quer fora de portas (porque a sua casa é aqui), em sítios como Amesterdão, Paris, Florença ou Roma, quer dentro de portas (Coimbra, Sintra, ou Castro Marim). São viagens dentro de uma viagem, esta, a vida, a de todos nós, pela pena de quem se reveza entre pontos cardeais de mapas reais e palpáveis e a sua geografia interna, mais genuína e desinteressada, a das impressões tatuadas e generosamente partilhadas com os seus potenciais leitores.
Música de Viagem, Fevereiro de 2008, é o seu primeiro livro de poesia editado sob a chancela da Papiro Editora. Dividido em cinco partes, é constituído por 77 poemas e apresenta um vasto leque de temas e formas. Sobre Música de Viagem, disse-se ser «uma luminosa galeria de temas, de ambientes, de paixões, de sentimentos». Trata-se de uma obra madura, cuja leitura se aconselha vivamente.
Volvido um ano desde Música de Viagem, mais especificamente em Outubro de 2009, é editado Poemas de Amor e Melodia, o livro que nos traz aqui hoje.
A primeira edição foi publicada em 1999 pela Universitária Editora. Era constituída originalmente por 42 poemas e enriquecida com seis ilustrações a cores, da autoria de Mário Silva.
Esta 2ª edição é, como tal, uma versão revista e ampliada da edição original.
Do ponto de vista da análise estrutural, e apesar de se ter mantido a disposição inicial, esta edição comporta 24 novos poemas (perfazendo o total de 66) e um novo capítulo, intitulado «Diálogos poéticos».
Encontra-se dividido em sete partes ou conjuntos: «Amor» «Melodia», «Todos os dias», «Intermezzo», «Novas Teorias», «Diálogos Poéticos» e «Cor», possuindo cada uma delas características distintivas no que respeita à temática, observações, ao carácter mais ou menos intimista, ou até mundano, ou satírico, ou melancólico. As suas composições são, na sua maioria sonetos — 32, ao todo — sendo que 29 são do tipo inglês ou shakespeariano, caracterizados por três quadras e um dístico-chave) e fogem, muitos deles, no que toca à regra, a uma possível pré-concepção do leitor, que poderá surpreender-se ao manusear suas páginas.
Trata-se de uma obra extremamente completa, de um escritor por direito próprio. Sua vasta experiência nestas lides reflecte-se de forma inequívoca no ritmo, na cadência, na metáfora e na forma deste Poemas de Amor e Melodia.
Cristino Cortes serve-se, aqui, daquilo que vasculha no mundo e que se revela, para ele, incontornável objecto de inspiração:
— Fala-nos no amor e seus múltiplos objectos.
— Na mulher, objecto desse amor mas também de desejo, sua musa que instiga e incita a composições como «A beleza é feminina I e II», «Quem dormir na minha cama», «Os teus olhos» ou «O tema do namorado», que, na página 14.ª, nos diz:

Beija o namorado a que não é sua
Assim a amando até ao dia seguinte;
Está no antes e por conseguinte
Lhe cresce o sexo até no meio na rua

Depois é o triste regresso a casa
As pernas quebrantadas pela tremura
Que lhe vem da interrompida ternura
— Ave que ao subir lhe caiu a asa! (…)

— Fala-nos nos dias da semana, batuta deste quotidiano rotineiro, simples e no entanto belo — porque Cristino Cortes possui a visão para descortinar a maravilha que jaz para lá da mera observação imediata ou imediatista. Eis um trecho de «Sexta-feira»:

É sexta-feira, é desde há muito o último dia
Dito útil no longo rol de toda a semana;
Dura tanto como qualquer outro, diz quem sabe
Mas nele nasce e às vezes permanece a alegria.

— E fala-nos do poema, da poesia e seus poetas — como Herberto Helder, Vitorino Nemésio, Augusto Gil ou Jorge de Sena, entre outros — a quem presta homenagem, reconhecendo, assim, de forma intelectualmente íntegra, a importância da sua escrita na escrita de quem agora escreve.

Em suma, e citando o Prof. Dr. Luís Serrano, cuja crítica a este volume foi publicada recentemente num jornal de crítica e análise literárias:
«Tudo lhe serve para a escrita poética: um assunto de família que o comove, a televisão com o seu carácter perverso quando se opõe à linguagem escrita e de algum modo contribui para a sua corrosão, um dia (seja o sábado ou o dia dos namorados), uma cor (diálogo entre a linguagem escrita e a linguagem pictórica), um verso ou poema de outro poeta, uma peça de música, o café (essa bebida tão do agrado dos portugueses), tudo, mas tudo, serve ao poeta.»
Ao que acrescenta:
«Poderíamos dizer, sem receio de errar, que o poeta está de sentinela 24 horas por dia, atento ao mínimo acontecimento, para dele dar testemunho (…) É esta consciência do ofício, séria e lúcida, que é indiscutivelmente credora do nosso respeito e admiração».
Permitam-me apenas que termine com um nota que, penso, ilustrar de modo inelutável a precisão, exigências, e empenho de Cristino Cortes relativamente à sua obra.
Rainer Maria Rilke respondia, um dia, às dúvidas de um jovem poeta sobre se seria de facto um escritor (cartas que foram postumamente editadas) Disse-lhe, então, o seguinte:
«O senhor está a olhar para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, — ninguém. Não há senão um caminho.
Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende as suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranquila da sua noite: "Sou mesmo forçado a escrever?” Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar aquela pergunta severa com um forte e simples ‘sou’, então construa a sua vida de acordo com esta necessidade.
A Sua vida, até na sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde.»
Penso que é o facto de a escrita se impor a Cristino Cortes, e não o contrário, que faz dele um autor digno de registo. Como o próprio, citando Guerra Junqueiro, indica na sua nota prévia a Poemas de Amor e Melodia:
«Nunca discuti, nem jamais discutirei com quem quer que seja, o valor literário de uma obra minha». Não é para isso que aqui estamos, porquanto ele está bem à vista de todos nós.

Ana Lemos


Autor: Cristino Cortes
Títulos:
“Viagens Marés e Memórias” Preço: €13,90
“Música de Viagem” - Preço: €9,90
“Poemas de Amor e Melodia” - Preço: €10,00